Documentos
classificados como ultrassecretos, que fazem parte de uma apresentação interna
da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos,
obtidos com exclusividade pelo Fantástico, mostram a presidente Dilma Roussef,
e o que seriam seus principais assessores, como alvo direto de espionagem da
NSA. Um código indica isso. O jornalista Glenn Greenwald, coautor desta
reportagem, foi quem recebeu os papéis das mãos de Edward Snowden - o
ex-analista da NSA que deixou os EUA com documentos da agência com a intenção
de divulgar o sistema de espionagem americano no mundo. Glenn afirmou que
recebeu o documento na primeira semana de junho, quando esteve com Snowden em
Hong Kong. “Ele me deu esses documentos com todos os outros documentos no
pacote original.” O pacote tinha milhares de documento secretos. Glenn analisou
esses papéis com Snowden durante uma semana em Hong Kong. Pouco depois, Snowden
fugiu para a Rússia, onde passou 38 dias na área de trânsito do aeroporto de
Moscou, até ter seu pedido de asilo aceito no país. Durante a produção, a
reportagem conversou com Snowden por um programa de bate-papo protegido contra
espionagem. Escondido em algum ponto do território russo, ele disse que por
exigência do governo local não pode comentar o conteúdo dos papéis, mas disse
que acompanha a repercussão que os documentos estão tendo pelo mundo, inclusive
no Brasil. Fantástico: como é que a gente pode avaliar o documento e saber se
foram operações que foram consumadas, e não apenas projetos? “Ficou muito
claro, com esses documentos, que a espionagem já foi feita, porque eles não
estão discutindo isso só como alguma coisa que eles estão planejando. Eles
estão festejando o sucesso da espionagem”, afirmou Glenn. Os documentos mostram
que foi feita espionagem de comunicações da presidente Dilma com seus
principais assessores. Também é espionada a comunicação dos assessores entre
eles e com terceiros. A apresentação secreta se chama filtragem inteligente de
dados: estudo de caso México e Brasil. Segundo a apresentação, o programa
possibilita encontrar, sempre que quiser, uma agulha no palheiro. No documento,
de junho de 2012, são dois alvos: o presidente do México, Enrique Peña Nieto,
então candidato líder nas pesquisas para a presidência, e a presidente do
Brasil, Dilma Rousseff. O palheiro, no caso, é o volume imenso de dados a que a
espionagem americana tem acesso todos os dias, espionando as redes de
telefonia, internet, servidores de e-mail e redes sociais. A agulha é quem eles
escolherem. Como
funciona: Selecionado o alvo, são monitorados os números de telefone,
os e-mails e o IP (a identificação do computador). É feito o mesmo para os
interlocutores escolhidos - no caso, assessores. O que eles chamam de um “pulo”
é toda a comunicação entre o alvo e os assessores. Um “pulo e meio” é quando os
assessores conversam entre eles. “Dois pulos” é quando eles conversam com
outras pessoas. Investigação de Peña Nieto: Para espionar o
então candidato mexicano Peña Nieto, o serviço de segurança internacional da
NSA para América Latina - fez uma ação intensiva. Para isso, usou dois
programas - um deles é chamado Mainway e serve para coletar o grande volume de
informações que passa pelas redes de comunicação. As mensagens de texto por
telefone do candidato também foram interceptadas, usando o programa
Association, que pega as informações que circulam nas redes sociais. Daí, as
mensagens vão para outro filtro - o Dishfire - que busca por determinadas
palavras-chave. Sob o título mensagens interessantes, está a prova de que o
conteúdo das mensagens foi acessado. Dois trechos são citados. Num deles, Peña
Nieto conta quem seriam alguns de seus ministros - que só tomariam posse seis
meses depois da eleição. Investigação da presidente Dilma: Na sequência,
vem a explicação de como foi feita a espionagem da presidente Dilma. Goal é o
objetivo da operação: melhorar a compreensão dos métodos de comunicação e dos
interlocutores da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e seus principais
assessores. O que eles chamam de sementes são os endereços eletrônicos e
números de telefones monitorados. Um dos programa usados pela NSA é chamado de
DNI selectors - que segundo outro documento vazado por Snowden, captura tudo o
que o usuário faz na internet, incluindo o conteúdo de e-mails e sites
visitados. Um gráfico mostra toda a rede de comunicações da presidente com seus
assessores. No gráfico, cada bolinha representa uma pessoa. A imagem ampliada
mostra que legendas ou nomes de quem teve a comunicação interceptada foram
apagados para a apresentação. No documento, não há exemplos de mensagens ou
ligações entre a presidente e seus ministros, como aconteceu quando o agora
presidente do México foi mencionado. Mas na última página o documento diz que o
método de espionagem usado é uma filtragem simples e eficiente que permite
obter dados que não são disponíveis de outra forma. E que pode ser repetido. Se
pode ser repetido, tudo indica que foi levado a cabo. Conclui, ainda, dizendo
que a união de dois setores da NSA teve sucesso contra alvos de alto escalão:
Brasil e México. Alvos importantes, que sabem do perigo de espionagem e
protegem sua comunicação. Novamente, se houve sucesso é porque foram exemplos
reais. Comunicações de brasileiros: No mês passado,
uma reportagem do jornal “O Globo”, mostrada também no Fantástico, revelou, com
documentos vazados por Snowden, que os EUA interceptam milhões de comunicações
de brasileiros. Na ocasião, o embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon,
negou que e-mails e telefonemas de cidadãos brasileiros estivessem sendo
espionados. Admitiu apenas que eram acessados os chamados metadados (o total de
conexões, que passavam pelo Brasil). Falta de clareza: Não está claro se a interceptação das
ligações da presidente Dilma foi feita apenas com acesso às redes de
comunicação, ou se houve participação de espiões em território brasileiro. James
Bramford, especialista que escreveu três livros sobre a NSA, falou com o
Fantástico, em Washington. Ele diz que a NSA tem espiões nas embaixadas e
consulados americanos pelo mundo. “Temos uma grande embaixada em Brasília e um
consulado no Rio de Janeiro. A NSA opera nesses prédios”, afirmou. Antenas nas
embaixadas podem interceptar sinais de microondas e telefones celulares, disse
Bramford. Ainda em Hong Kong, quando se encontrou com Glenn Greenwald, Edward
Snowden comentou os documentos que envolvem a espionagem à presidente Dilma. Ele
disse o seguinte: a tática do governo americano desde o 11 de setembro é dizer
que tudo é justificado pelo terrorismo, assustando o povo para que aceite essas
medidas como necessárias. Mas a maior parte da espionagem que eles fazem não
tem nada a ver com segurança nacional, é para obter vantagens injustas sobre
outras nações em suas indústrias e comércio em acordos econômicos. No mês
passado a revista “Época” publicou com exclusividade um documento comprovando
que a espionagem americana é também comercial. Trata-se de uma carta escrita
pelo atual embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, em 2009, quando ainda
era subsecretário de estado. Ele agradece à NSA pelas informações repassadas à
diplomacia americana antes da 5ª Cúpula das Américas - um encontro entre os
chefes de estado do continente para discutir assuntos comerciais e diplomáticos
da região. Na carta, Thomas Shannon escreveu: mais de 100 relatórios que
recebemos da agência nos deram uma compreensão profunda dos planos e intenções
dos outros participantes da cúpula e permitiram que nossos diplomatas
estivessem bem preparados para aconselhar o presidente Obama em como lidar com
questões controversas. “Em questões comerciais, saber o que os outros estão
pensando antes das reuniões multilaterais é como jogar pôquer sabendo quais as
cartas de todos na mesa”, disse Bramford. Outro documento obtido com exclusividade
pelo Fantástico diz que uma divisão inteira da NSA é dedicada à política
internacional e atividades comerciais, com um setor encarregado de países da
Europa Ocidental, Japão, México e Brasil. Um terceiro documento ultrassecreto
enumera os desafios geopolíticos dos Estados Unidos para os anos de 2014 a
2019. O surgimento do Brasil e da Turquia no cenário global é classificado como
risco para a estabilidade regional. E o Brasil aparece de novo, junto com
outros países, como uma dúvida no cenário diplomático americano: nosso país
seria amigo, inimigo ou problema? Também são citados Egito, Índia, Irã,
Turquia, México. “Quando o país fica mais independente, mais forte, como o
Brasil está (...), competindo com os Estados Unidos, empresas americanas. E por
causa disso, o governo americano está pensando diferente sobre o Brasil”,
afirmou Glenn. Fantástico: por que Edward Snowden torna públicos esses
documentos? “Ele me disse: olha, eu acho que a privacidade do norte-americano é
muito importante, mas também eu acho que o privacidade dos estrangeiros, das
pessoas na América Latina, dos brasileiros, é muito importante também. A
importância é igual. E eu não quero proteger somente a privacidade do
norte-americano. Eu quero proteger a de todas as pessoas.” Nesta semana, o
jornal americano Washington Post publicou o orçamento secreto dos serviços de
espionagem americanos, o equivalente a R$ 126 bilhões. Reação
do governo brasileiro: Neste
domingo (1º), o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se reuniu com a
presidente Dilma Rousseff para discutir a reação as novas revelações de
espionagem do governo americano. O governo brasileiro decidiu tomar três
medidas: o Ministério das Relações Exteriores vai chamar o embaixador americano
no Brasil, Thomas Shannon, para que ele dê novos esclarecimentos, vai cobrar
explicações formais do governo dos Estados Unidos e vai ainda recorrer aos
órgãos internacionais, como a ONU, para discutir a violação de direitos de
autoridades e cidadãos brasileiros. Se forem comprovados esses fatos, nós
estamos diante de uma situação que é inadmissível, inaceitável, por que eles
qualificam uma clara violência à soberania do nosso país. “O Brasil cumpre
fielmente com suas obrigações e gostaria que todos os seus parceiros também as
cumprissem e respeitassem aquilo que é muito caro para um país que é a sua
soberania”, disse Cardozo. O ministro esteve na semana passada nos Estados
Unidos, onde se reuniu com o vice-presidente, Joe Biden. Ele levou a proposta
de que as comunicações só sejam acessadas com autorização da Justiça e no caso
de investigações criminais. A proposta não foi aceita. Procuradas, as
embaixadas dos Estados Unidos e do México não se manifestaram. G1.
Nenhum comentário:
Postar um comentário