Quando
pensava que, em matéria de corrupção, não ia me surpreender com mais nada,
fiquei totalmente perplexo, diante da desfaçatez sem limites da CPI do
Cachoeira, no Congresso Nacional. Vejam o que diz a imprensa. "A CPI poupa
políticos e empreiteira e decide limitar investigação. Acordo selado pelo PT,
com o incentivo do Planalto, engaveta pedidos para convocar três governadores”.
E ainda: "Num jogo combinado entre o governo e parte da oposição, a CPI do
Cachoeira engavetou ontem (17/05/12) pedidos de investigação de três
governadores (Sérgio Cabral-PMDB-RJ, Agnelo Queiroz -PT-DF e Marconi
Perillo-PSDB-GO), cinco deputados e das operações da empreiteira Delta, fora do
Centro-Oeste. Criada há um mês para investigar o empresário Carlinhos Cachoeira
e seu relacionamento com autoridades como o senador Demóstenes Torres
(ex-DEM-GO), a CPI até agora não ouviu nenhum dos políticos envolvidos no caso.
A CPI aprovou ontem (17/05/12) 87 requerimentos, dos quais apenas um busca
informações sobre a ligação entre Demóstenes e Cachoeira”. Que vergonha! Que
afronta à opinião pública! Que desrespeito para com o povo! Trata-se de um
ponta-pé na cara dos eleitores. Estamos diante de uma CPI descaradamente corrupta.
Reparem até onde chega a desfaçatez de políticos e governantes. "O acordo
que engavetou os pedidos de investigação (...), foi costurado com a
participação do governo. A ministra das Relações Institucionais, Ideli
Salvatti, tem orientado o relator da CPI, deputado Odair Cunha. A ordem foi
poupar a Delta, que tem dezenas de contratos com o governo federal e os
Estados, em troca da não convocação do governador Marconi Perillo (PSDB-GO)”
(Folha de S. Paulo, 18/05/12, p. A4). Que mesquinhez! Que falta de dignidade! A
situação da Delta é bem diferente da que foi apresentada pela CPI. "Laudo
da Polícia Federal revela que a empreiteira Delta enviou dinheiro a partir de
agências bancárias no Rio a empresas de fachada no Centro-Oeste. Os pagamentos
foram feitos via contas com o CNPJ nacional da Delta”. Isso "mostra que a
empresa não permitia operações financeiras sem o conhecimento da matriz” (Ib.,
20/05/12, p. A9). Infelizmente, de forma desrespeitosa e arbitrária, a CPI
escolhe, entre os suspeitos de corrupção, quem vai ser investigado ou não e
restringe a apuração a auxiliares de Cachoeira (já investigados pela PF). A
corda sempre arrebenta do lado dos mais fracos. Os maiores corruptos continuam
impunes e, hipocritamente, se apresentam em público como "pessoas de bem”.
Vejam mais um exemplo ilustrativo da podridão que existe nos bastidores da
política. Na sessão da CPI na qual foram engavetados "vários pedidos de
convocação de gatos gordos da política”, o deputado federal Cândido (que
candura!) Vaccarezza (PT) enviou o seguinte SMS para o governador do Rio,
Sérgio Cabral (PMDB): "A relação com o PMDB vai azedar na CPI. Mas não se
preocupe você é nosso e nós somos teu (sic)" (Ib., 19/05/12, p. A3). Trata-se
de uma cultura de corrupção (que, na realidade, é uma falsa cultura), sistêmica
e estrutural. Trata-se da prática política do toma lá, dá cá; da prática
política da barganha, sem nenhuma preocupação com o humano e o ético. E tem
mais: muitos desses políticos e governantes se declaram católicos ou
evangélicos e freqüentam toda semana a Missa ou o Culto dominical. São os
fariseus do nosso tempo. Bem profetizou Jesus, quando disse: "Ai de vocês
doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: por
fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e
podridão! Assim também vocês: por fora parecem justos diante dos outros, mas
por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça” (MT 23, 27-28). Realmente,
não dá para acreditar que, em pleno século XXI, exista tanta bandalheira na
vida pública. Enquanto isso persistir, pode-se criar a CPI, a CPI da CPI, a CPI
da CPI da CPI e, assim, ao infinito, que nada de positivo vai acontecer. Se a
CPI do Cachoeira -que infelizmente já caiu no total descrédito- quisesse
realmente cumprir o seu papel, se deixaria nortear por um único critério: a
suspeita de corrupção, venha de onde vier, doa a quem doer. Existe suspeita de
corrupção, investigue-se. Não importa se o suspeito é deputado, senador,
governador ou presidente. Os membros da CPI não devem ser tão mesquinhos e tão
covardes de vender sua dignidade, atrelando-se a interesses de grupos de
políticos ou de partidos. O
governador Marconi Perillo (PSDB), um dos beneficiados com o engavetamento dos
pedidos de investigação, procura desviar as atenções para uma "agenda
política positiva”, apresentada como se fosse um presente de um governante bom
e preocupado com o sofrimento do povo, que mais uma vez é iludido. Vejam o que
diz a imprensa a respeito do governo do Estado de Goiás. Pessoalmente fiquei
boquiaberto. "Governo reage contra desgastes. Cúpula intensifica
atividades em setores prioritários e prepara ‘pacote de bondades’ para os
próximos dias”. Parece que os governantes não entendem (ou - o que é mais
provável - fingem de não entender) que não se trata de ‘pacote de bondades’,
mas de ‘pacote de obrigações’. Eles são simples administradores (muitas vezes,
maus administradores) do dinheiro público, que é dinheiro do povo, e não estão
fazendo nenhum favor. O ‘pacote de bondades’, chamado de Programa de Ação
Integrada - PAI (semelhante ao Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, do
governo federal), foi proposto pelo governador Marconi Perillo (que pai, hem!)
e consiste no seguinte: "Passe Livre Estudantil, programa Cheque Mais
Moradia, transferência de recursos para reforma de Escolas, data-base para os
servidores e negociações salariais com professores e delegados”. Por que será
que o "PAI” - embora o governo afirme que já estava previsto - foi lançado
somente agora, quando pairam fundadas suspeitas de corrupção sobre o governo do
Estado de Goiás? Por que será que, nestas últimas semanas, o Estado de Goiás
está tão preocupado com o anúncio "de ações e benefícios em setores
considerados prioritários ou nos quais há maiores arranhões da imagem do governo”(O Popular, 20/05/12, p. 12). Será que o governo pensa que o povo é bobo? Diante
de tanta maracutaia na vida pública, não podemos ficar indiferentes e omissos.
"Urge caminhar, criando espaços e estruturas que, num primeiro momento,
apresentem a prática do novo, e, num segundo momento, criem a consciência de
que fazer acontecer este novo não só é necessário, mas possível. E tal
demonstração de que o novo é possível e fruto de um agir ordenado é necessária
para a mobilização pela superação da apatia e da consciência ingênua daqueles e
daquelas que precisam se colocar como sujeitos construtores do novo.A prática
construtiva do novo agir, de novas estruturas, contribui para o crescimento da
consciência crítica. É um dos caminhos que levam à construção de um Estado
verdadeiramente democrático, uma verdadeira ‘res-pública’” (CNBB. Documento 91:
Por uma Reforma do Estado com Participação Democrática. Brasília, Edições CNBB.
2010, N. 76). "Goiânia,
23 de maio de 2012."
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